Recentemente, dois YouTubers que eu admiro profundamente, Matt D'Avella e o moço do Charisma on Command, postaram vídeos explicando o motivo de terem parado de criar conteúdo. Matt ficou longe por oito meses devido a complicações com o filho recém-nascido, enquanto o outro passou um ano afastado por desentendimentos com o sócio.

Confesso que fiquei chocado ao me dar conta de que, se não fossem esses vídeos aparecendo no meu feed do YouTube, talvez jamais teria lembrado deles. Esses criadores foram fundamentais para moldar meu caráter, me trouxeram conforto após dias exaustivos de trabalho e eu até comprei o curso de um deles para apoiá-lo financeiramente!

Mas a dura realidade é que estamos tão condicionados a receber conteúdo relevante entregue na nossa cara, que se algo não aparecer no nosso feed ou vier como uma notificação, esquecemos. É como se essas pessoas, que um dia foram tão importantes para nós, deixassem de existir.

No texto anterior expliquei que ter ficado quase um ano "offline" foi ótimo para minha saúde mental. Mas quando decidi sair desse sistema, não imaginava que seria esquecido.

O esquecimento

Eu tentei, juro que tentei me aproximar das pessoas de maneiras não ortodoxas. Mandei mensagens no WhatsApp tentando puxar assunto, enviei e-mails com coisas interessantes (tentar criar o equivalente a compartilhar um meme no Instagram), sugeri cafés, almoços, jogatinas online... Mas quando não era ignorado, sentia que estava quebrando alguma etiqueta.

Absolutamente todo mundo quando eu interagia no WhatsApp. Awkard.

Essa experiência me fez refletir sobre como nossa memória e afeto se tornaram dependentes desses feeds, algoritmos e notificações. Será que ainda somos capazes de mantermos relacionamentos sem a mediação constante das telas? Ou será que já nos acostumamos tanto a terceirizar nossas amizades para as plataformas que não sabemos mais como as cultivar de outra forma?

Relacionamentos online

A solidão de estar sempre conectado com toda a humanidade

Apesar de estarmos mais conectados do que nunca, a tecnologia nos faz sentir mais solitários.

Sentir-se sozinho tem sido associado a resultados de saúde adversos, incluindo doenças cardíacas, AVC, declínio cognitivo e baixa imunidade. Alguns estudos comparam o isolamento social a riscos de mortalidade como o fumo. Pesquisas mais recentes encontraram ligações entre a solidão e a doença de Alzheimer

via Por que a solidão virou uma das grandes preocupações de saúde do século 21

Nós ainda estamos biologicamente condicionados à interação pessoal. Basta perceber como seu corpo reage da próxima vez que encontrar um amigo, em comparação com o bate-papo via DM com o mesmo amigo.

Talvez voltar a usar redes sociais ajudasse nesse meu sentimento de solidão, pensei. Os caminhos alternativos não estavam funcionando e as circunstâncias particulares — me ajustando à vida nova de PCD — não permitiam me conectar com pessoas da maneira old school (contemplei fazer um curso de barista, teatro, ou bonsai, por exemplo). Sem falar que minha geração ainda interage assim.

A economia do compartilhamento

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"Quem não é visto não é lembrado" já dizia o provérbio Português

Foi então que voltei a usar o Instagram limitado a vinte minutos diários e com a única intenção de responder stories de amigos que sigo. Logo em seguida decidi enfrentar meu medo e começar a postar stories falando diretamente para a câmera — algo aparentemente trivial para muitos, mas aterrorizante para mim —, percebi uma transformação gradual. A cada vídeo compartilhado, sentia minha timidez sumindo, dando lugar a uma nova desenvoltura. Minha capacidade de me expressar foi se aprimorando, e eu descobri uma confiança que não sabia que existia dentro de mim.

Mas os benefícios foram além da superação pessoal. Para minha surpresa, as pessoas começaram a interagir comigo de forma espontânea novamente. Seja respondendo aos meus stories ou puxando assunto casualmente quando nos encontrávamos pessoalmente, era como se eu tivesse reencontrado meu lugar no mundo social.

Ao enfrentar nossos medos e nos expor de forma autêntica, abrimos as portas para conexões mais genuínas e significativas. E num mundo onde a comunicação digital muitas vezes nos afasta, esses momentos de vulnerabilidade podem ser a chave para nos reconectarmos de verdade.

A visão da “economia do compartilhamento” promove uma identidade baseada no empreendorismo. As pessoas precisariam estar sempre se promovendo publicamente para encontrar oportunidades de trabalho. Se essa visão se concretizar, ninguém terá o luxo de postar como opção. Terão que fazê-las para sobreviver. […] O resultado seria menos uma comunidade postando autênticamente, compartilhando conhecimento ou entretenimento, e mais uma guerra de todos contra todos. As grandes empresas forneceriam o campo de batalha e se eximiriam da responsabilidade pelas consequências negativas.

via Authentic sharing. Não é verbatim, adaptei para clareza.

A ansiedade de falar com o date

Você já parou para reparar como a comunicação digital tem o poder de nos deixar ansiosos e inquietos?

Reticência...

Digamos que você esteja conversando com alguém num chat e fez uma pergunta improvável. Enquanto numa conversa IRL pessoalmente, conseguimos interpretar muita coisa só observando expressões, o equivalente online são aqueles três pontinhos piscando.

Ficamos ali, esperando uma resposta, imaginando o que a pessoa está pensando, se digitou e apagou, se estamos sendo ignorados... Quem sabe a pessoa entrou num túnel e perdeu a conexão?

Ou achamos que estamos tendo um diálogo, mas o interlocutor está tratando a conversa como se fosse um e-mail, que será respondido depois, deixando-nos em dúvida se falamos algo errado. Uma conversa abandonada sem cerimônia.

Muitos usuários não esperam mais do que alguns segundos para que o conteúdo carregue online. Mas as regras parecem mudar durante um chat entre duas pessoas. A frustração é substituída pela antecipação. Com a reticência, a hesitação na resposta é indicada visualmente e em tempo real, deixando os interlocutores imaginando as intenções uns dos outros. O diálogo online acontece em um espaço e ritmo diferentes. Uma certa descontinuidade temporal.

Os emojis, por sua vez, adicionam uma camada extra de complexidade à comunicação digital. Seus significados podem variar drasticamente dependendo da cultura e da idade de quem os utiliza.

E não podemos nos esquecer das curtidas. Existem nuances sutis na forma como pressionamos esses corações e polegares: desde um gesto passivo-agressivo até uma demonstração de interesse sexual, preocupação genuína, flerte, admiração, medo, alegria ou total inconsciência.

Segundo Turkle, é possível estar em constante comunicação digital e ainda assim sentir-se sozinho. Nas entrevistas [de estudos científicos] com adultos e adolescentes, ela descobriu que pessoas de todas as idades são atraídas por seus dispositivos por um motivo semelhante: "O que há de tão sedutor em enviar mensagens de texto, em manter o telefone ligado, é que você quer saber quem quer você", diz Turkle.
Autora de Alone Together em entrevista para a NPR (destaque meu).

Me questiono se as coisas estão mais difíceis para todos, se este tempo na história é diferente, ou se apenas sou chato a ponto de ninguém querer interagir comigo.

De que outras maneiras podemos ter relacionamentos saudáveis mediados por tela? A troca de emoção? Um processo de expressar e entender? Enviar um meme para um amigo como demonstração de que estou pensando nele pode ser reconfortante, mas fazer isso o ano inteiro sem nunca o ver pessoalmente beira o patético.

Encontrando equilíbrio

Esta questão de compartilhar amor na internet coincide com uma necessidade de me distanciar de sua facilidade debilitante.

Não somos os únicos buscando limitar o papel da tecnologia em nossas vidas. Alguns estão trocando smartphones por celulares “flip”. Outros alugam casas onde ficar "off-the-grid" é luxo extra. A geração Z já reconhece o papel negativo da tecnologia.

Em geral, o ambiente digital e algumas plataformas de rede social abrigam tantas economias de cuidado e trabalho que é quase impossível sair delas. Imigrantes mantêm relações familiares à distância; empreendedores criam e gerenciam negócios; milhões são empregados por aplicativos e plataformas digitais; ativistas amplificam suas causas; pessoas marginalizadas encontram comunidade. Não passar tempo nessas plataformas não é uma escolha para muitas pessoas.

via On Time Well Spent and Ethics

Assim como não dá para sair do capitalismo, não dá para ficar offline. O jeito é entender como viver da melhor maneira nesse sistema.